Em uma tarde de março de 415 d.C. uma mulher de 60 anos é tirada de sua
carruagem por uma multidão enfurecida, em Alexandria, no Egito. Em
seguida, é despida e tem sua pele e carne arrancadas com ostras (ou
fragmentos de cerâmica, segundo outra versão). É destroçada viva pela
turba alucinada. Já morta, arrancam seus braços e pernas. O cadáver é
queimado em uma pira nos arredores da cidade. Era o fim da trajetória
impressionante de Hipácia de Alexandria. Hipácia foi a primeira mulher
de fama internacional no mundo da matemática, astronomia e da botânica.
Hipácia foi a primeira intelectual de renome e imensa influencia. “As
mulheres que leem são perigosas”, assim pensavam, e agiam, os homens por
dezenas de séculos.
Somente no século XIX o livro se tornou comum para as mulheres. Foi, e
continua sendo, sua maior arma para a conquista da liberdade, sua
possibilidade de existência, de se lançar em novos horizontes.
Entre a mulher e o livro estabeleceu-se uma aliança. Com ele, ela
podia desejar e imaginar um mundo para si própria. Gesto um tanto ousado
– e perigoso. Daí os homens desejarem impedi-la de ler ou controlar o
que liam. Até o século XIX, os homens marginalizavam as mulheres que
liam, rotulando-as de neuróticas e histéricas. Sobretudo as mulheres que
liam “demais”. A leitura permitiu que tomassem consciência do mundo. A
leitura, esse ato tão intimo, tão secreto, terminou por colocar a mulher
para fora. Fora do núcleo familiar opressor. O vazio do mundo real foi
tomado pela ficção.
Para quem vivia, e vive, na prisão do casamento sem amor, das regras
sociais sufocantes, a leitura foi a possibilidade de viver em outro
mundo que não o seu e, em seguida, mudar a própria vida. De adquirir
prazer que lhe era negado. Um prazer solitário de início. Mas que passou
à voz. E, depois um grito… de liberdade.
Fonte: http://www.livrosepessoas.com/2016/08/25/quando-a-mulher-era-proibida-de-ler-livros/